Um grupo de 32 deputados opositores ao governo paraguaio protocolou nesta terça-feira, 6, o pedido de impeachment contra o presidente Mario Abdo Benítez, o vice-presidente Hugo Velázquez e o ministro da Fazenda, Benigno López, em razão de um acordo fechado com o governo brasileiro, em maio, sobre a venda de energia da Usina de Itaipu. O pacto, que favorecia o Brasil, foi anulado na semana passada, em razão da repercussão negativa entre os paraguaios.
O grupo liderado pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), opositor ao governo, alinhou-se a partidos menores para apresentar o pedido, mesmo não havendo votos suficientes para a aprovação.
A legenda do presidente, o Partido Colorado (ANR), que chegou a ser a favor do impeachment, retirou o apoio no dia 1.º, após o anúncio do cancelamento do acordo com o Brasil. A sigla argumenta que, já que não há mais pacto, o Paraguai não será prejudicado.
O número mínimo de votos necessário para aprovação no plenário da Câmara é de 53, de um total de 80. A situação é semelhante no Senado, onde são necessários 30 votos, de um total de 45. A oposição liberal, com o apoio da frente esquerdista Frente Guasú, não soma mais de 20.
Ainda nesta terça, a parcela do Partido Colorado vinculada ao ex-presidente Horacio Cartes reuniu-se na casa dele, segundo o jornal paraguaio ABC Color, para avaliar se retiraria o apoio a Benítez, o que poderia viabilizar o andamento do impeachment. A hipótese foi descartada.
A manutenção do apoio por parte dos colorados pegou de surpresa a oposição. Ao Estado, um dos líderes da Frente Guasú, Edgar Segovia, afirmou que esperava uma mudança de contexto, e admitiu que sem os votos dos congressistas colorados não será possível dar andamento ao impeachment. “Há muita indignação, mas isso tem que se transformar em pressão no setor político que tem participação no Parlamento. Se os partidários de Cartes não apoiam, não tem como prosseguir.”
A pressão sobre Abdo Benítez aumentou nesta terça. O jornal ABC Color divulgou mensagens trocadas com o então presidente da estatal Administração Nacional de Eletricidade (Ande), Pedro Ferreira. Elas mostram que Benítez conhecia detalhes do acordo com a Eletrobrás e teria sido pressionado pelo Brasil para aceitar os termos do pacto. Defensores do presidente alegavam que somente o vice Velázquez sabia do acordo, por intermédio de um representante jurídico dele. Nas mensagens trocadas entre fevereiro e junho, Benítez ainda pede a Ferreira para que a negociação seja mantida em sigilo.
Em abril, Ferreira é cobrado por Benítez para encaminhar as tratativas entre Ande e Eletrobrás. O presidente paraguaio chega a afirmar que, ao se negociar, “sacrificam-se posições e princípios”. “Não acredite que eu faço tudo que quero. Todos os dias tenho que ‘engolir remédios amargos’, mas hoje o país está em nossas mãos e acredito que está nas melhores mãos.”
Benítez fazia referência à mudança das regras tarifárias da venda de energia excedente do lado paraguaio ao Brasil. Segundo Ferreira, o impacto seria de US$ 400 milhões aos cofres paraguaios.
Durante quase um mês, as conversas seguiram com Ferreira apontando preocupações em relação às divergências assinaladas entre a chancelaria paraguaia e os negociadores brasileiros, citando os prejuízos ao Paraguai. Ferreira pediu demissão da Ande em 24 de julho, ocasionando a crise política no país.
Ao ABC Color, Abdo Benítez argumentou que os diretores da estatal paraguaia somente repassavam a ele, como presidente, “a ponta da pirâmide” das negociações entre Eletrobrás e Ande. De acordo com ele, seus assessores lhe diziam que caso o acordo não fosse firmado, o faturamento da usina não seria completo e obras seriam paralisadas. Por essa razão, ele pressionava Ferreira a assinar o documento. “Quando alguém está nessa posição, acaba delegando muito aos seus colaboradores”, rebateu.
Para Edgar Segovia, a publicação das mensagens iria causar uma mudança no posicionamento da classe política que apoia Abdo Benítez, o que não se concretizou. “Tínhamos a impressão que a pressão midiática poderia influenciar. Com esta publicação (das mensagens), a imagem do presidente fica manchada, o que leva à possibilidade de um julgamento político”, argumenta. O impacto não surtiu efeito no curto prazo. “A negociação secreta desse acordo foi um ato muito burro. Qualquer ata ou documento referente a uma estatal, como a Itaipu, tem que passar pelo Congresso”.
Entenda o caso
O acordo bilateral assinado em 24 de maio para a contratação de energia da Usina de Itaipu entre Brasil e Paraguai provocou uma crise política no governo do presidente Mario Abdo Benítez desde que veio a público, no final de julho. A imprensa paraguaia revelou que uma cláusula que favorecia Assunção no pacto foi deixada de lado e o aumento do preço repassado ao consumidor paraguaio não foi divulgado ao grande público.
Na esteira da crise, a imprensa paraguaia também noticiou que um assessor jurídico de Velásquez agiu para beneficiar a empresa brasileira Léros, que tinha interesse na contratação de energia de Itaipu sem a autorização da Eletrobras, à época algo irregular.
A crise resultou na renúncia do chanceler paraguaio, Luis Alberto Castiglioni, do embaixador do país no Brasil, Hugo Saguier, e do presidente da Ande. / AFP, COM CARLA BRIDI
Fonte: Estadão
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