Após 20 anos de negociação, o Mercosul e a União Europeia fecharam um acordo comercial que envolve 25% da economia global e 780 milhões de pessoas – quase 10% da população do mundo.
Segundo estimativas do Ministério da Economia do Brasil, o acordo representará um incremento no PIB do país equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se forem levados em conta aspectos como a redução de barreiras não tarifárias.
O governo brasileiro estima também que as exportações brasileiras para a União Europeia aumentem em cerca de R$ 384 bilhões até 2035.
Hoje, a União Europeia é o segundo parceiro comercial do Mercosul, que, por sua vez, é o oitavo do bloco europeu.
Para o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, o fechamento do acordo é histórico. “Esse será um dos acordos comerciais mais importantes de todos os tempos e trará benefícios enormes para nossa economia”, escreveu em seu perfil no Twitter.
Ainda não há informações detalhadas sobre os termos do acordo, que ainda será revisado e chancelado pelos países dos dois blocos econômicos. As complexas negociações envolvem diversas áreas, como marcos regulatórios, tarifas alfandegárias, regras sanitárias, propriedade intelectual e compras públicas. Empresas brasileiras poderão, por exemplo, participar de licitações no bloco europeu.
Em nota, o Ministério da Agricultura brasileiro afirmou que produtos nacionais terão tarifas eliminadas, como suco de laranja, frutas e café solúvel, e exportadores terão mais acesso, por meio de quotas, a produtos como carnes, açúcar e etanol.
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, escreveu no Twitter: “Em meio às tensões do comércio internacional, estamos enviando um forte sinal de que defendemos o comércio baseado em regras. É o maior acordo comercial já fechado pela União Europeia. O resultado é positivo para o meio ambiente e para os consumidores”.
Criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, o Mercosul é hoje o terceiro maior bloco do mundo, depois do Nafta (México e Estados Unidos) e da União Europeia. Seu PIB total é de US$ 2,8 trilhões (R$ 10,4 trilhões). Se fosse um país, o Mercosul seria a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.
Em comunicado, a União Europeia cita os principais pontos do acordo fechado com o Mercosul a partir do ponto de vista europeu. Vale lembrar que os termos da negociação ainda serão revisados em detalhes e chancelados pelos integrantes dos dois blocos.
Barreiras tarifárias
O acordo prevê remoção da maioria das tarifas de importação do Mercosul sobre produtos europeus, principalmente nos segmentos industrial, agrícola e alimentício.
Entre os bens industriais, por exemplo, o comunicado cita automóveis, hoje submetidos a alíquotas de 35%, autopeças (de 14% a 18%), maquinário (de 14% a 20%), produtos químicos (tarifas de até 18%), produtos farmacêuticos (até 14%), roupas e calçados (até 35%).
Itens agrícolas como chocolates, vinho e destilados, hoje taxados em 20%, 27% e de 20% a 35%, respectivamente, também serão beneficiados pela eliminação de tarifas.
No acordo também entram laticínios, hoje submetidos a tarifas de importação de 28%, “especialmente” queijos.
Exportações do Mercosul também terão preferência. Segundo o governo, mais de 90% delas terão zeradas as tarifas de importação da UE no prazo máximo de dez anos. As demais terão acesso preferencial por meio de quotas e reduções parciais de tarifas.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre os produtos que terão tarifas reduzidas a zero estão mel natural, calçados, roupas, suco de laranja, café industrializado, madeira compensada, polietileno, couro, autopeças e aviões.
Já os produtos que terão aumento de cotas sem o pagamento de tarifas estão carne bovina, açúcar, etanol e carne de frango.
De acordo com a CNI, Cada R$ 1 bilhão de exportação a mais do agronegócio, gera aumento de produção de R$ 300 milhões na indústria brasileira.
Acordo climático
Os países signatários se comprometem a implementar e cumprir o acordo climático de Paris, que prevê limites à emissão de gases do efeito estufa e um suporte financeiro de países ricos aos mais pobres a se adaptarem às mudanças climáticas e na adoção de energias renováveis.
Segundo a União Europeia, uma parte do acordo tratará de manejo sustentável, conservação de florestas, condições de trabalho e promoção de negócios com responsabilidade ambiental.
O tema foi discutido em encontro informal nesta sexta-feira (28) entre Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, no âmbito da reunião do G20, no Japão, horas antes do anúncio do acordo.
Mas, para a organização não governamental Greenpeace, o acordo representa um “desastre” para os dois continentes porque, na opinião da entidade, haverá um aumento das emissões de gases poluentes e uma piora da qualidade de vida dos trabalhadores rurais.
“A União Europeia precisa parar de fechar acordos de comércio que beneficiam grandes corporações gananciosas por oportunidades de exportação enquanto fecha os olhos para os danos socioambientais que causam”, afirma Naomi Ages, especialista do Greenpeace em comércio.
Outros assuntos
Segundo o governo, o acordo também trata do comércio de serviços. Foram negociadas seções com disciplinas regulatórias para setores como telecomunicações, serviços postais, serviços financeiros, comércio eletrônico. “No caso dos investimentos, tanto para prestação de serviços quanto em outras atividades econômicas, consolidará marcos regulatórios vigentes, conferindo maior segurança e previsibilidade jurídica aos investidores europeus no Brasil e aos brasileiros na UE.O acordo também permite que fornecedores brasileiros participarem de licitações públicas na UE”, diz resumo do acordo enviado pelo governo.
Em compras governamentais, o acordo abre oportunidades para fornecedores brasileiros participarem de licitações públicas na UE.
No que diz respeito a medidas sanitárias, resumo feito pelo governo diz, sem entrar em detalhes, que elas visam à “remoção de entraves ao comércio” e ampliação “de oportunidades de cooperação entre Mercosul e UE em temas importantes para o Brasil, como biotecnologia, bem-estar animal, resistência aos antimicrobianos e limites máximos de resíduos”.
Em propriedade intelectual, o acordo determina que indicações geográficas de produtos agrícolas brasileiros, como as de cachaça, vinho e café, sejam reconhecidas e protegidas no território europeu. Também foram feitos compromissos nas áreas de patentes, marcas, desenho industrial e direitos autorais.
Outros assuntos tratados são trâmites de importação, exportação e trânsito de bens.
‘Falta de determinação política’
Em entrevista coletiva na tarde desta sexta (28) em Bruxelas, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, evitaram dar detalhes sobre o acordo, afirmando que a íntegra será divulgada durante o fim de semana.
“Nós tivemos (entre os produtos beneficiados por quotas ou redução de tarifas) etanol, açúcar. Muitos produtos na área agrícola, de frutas a carne. Um menu cheio para que os produtos brasileiros acesse esse grande mercado que é a União Europeia”, resumiu a ministra Tereza Cristina.
Questionada sobre as concessões feitas por ambos os lados, a titular da pasta repetiu que os detalhes sobre o acordo seriam divulgados posteriormente, mas mencionou que “uma coisa que eles (os europeus) queriam muito era vinho”.
Depois de “muita discussão”, acrescentou, foi negociado livre comércio do produto entre os dois blocos. “Mas isso não acontece de uma hora pra outra, tem todo um tempo de maturação”, que será de 12 anos, segundo a ministra.
Para o chanceler, o acordo entre Mercosul e União Europeia não foi concluído antes por falta de “determinação política” por parte do Brasil e do bloco sul-americano em “vários momentos chave”.
“A grande diferença é essa, a determinação política do presidente Jair Bolsonaro.”
Ele também destacou a participação da Argentina, que “no passado não teve a mesma disposição”, e do presidente Mauricio Macri. A assinatura do acordo é importante para o presidente argentino, que tenta se reeleger em um cenário de aumento de rejeição à sua gestão e à emergência da chapa da rival e antecessora Cristina Kirchner.
Ernesto Araújo declarou ainda que a assinatura do acordo valoriza e revitaliza o Mercosul, “transformando-o em uma entidade que funciona para o comércio entre os membros e com terceiros”.
“Mostra que o Brasil está sério nesse compromisso de abertura econômica”, completou.
O trio chegou a ser questionado sobre os comentários do ministro da Economia, Paulo Guedes, feito logo após as eleições, de que o Mercosul não seria prioridade para o novo governo.
O secretário Marcos Troyjo respondeu brevemente dizendo que Guedes já havia explicado sobre o episódio algumas vezes, que estava na ocasião da declaração em uma coletiva improvisada e que a resposta havia sido “uma questão de forma, e não de conteúdo.”
Sobre as críticas feitas pelo presidente da França, Emmanuel Macron, sobre a política ambiental brasileira, o chanceler afirmou que o episódio não teve impacto sobre a negociação e acrescentou que, no encontro com o líder francês durante a cúpula do G20, Bolsonaro “teve oportunidade de esclarecer o que é a política ambiental brasileira”.
“Talvez esse esclarecimento tenha contribuído para dissipar qualquer visão equivocada sobre nossa política ambiental.”
Um membro da comitiva brasileira confirmou durante a coletiva que o acordo traz a previsão de uma série de compromissos ambientais, inclusive de cumprimento das metas do acordo de Paris.
Janela curta para fechar o acordo
Análise por Daniel Gallas, correspondente de negócios na América do Sul
Não é pouca coisa fechar um acordo assim complicado em um momento no qual o livre comércio está sob ataque globalmente. Há sinais evidentes de que o protecionismo está em alta, como no Brexit e na guerra comercial entre China e Estados Unidos.
O acordo pode mudar de forma significativa o modo como os europeus fazem negócio com países como o Brasil – que tem uma das economias mais fechadas do mundo. Tarifas altas deixaram historicamente competidores europeus em desvantagem contra indústrias nacionais.
Produtores agrícolas também vão finalmente ganhar acesso a mercados europeus no setor alimentício.
Europeus e sul-americanos tiveram uma janela curta para fechar este acordo, uma vez que as eleições na Argentina no final do ano poderiam potencialmente mudar a atmosfera contra o livre comércio – como tem acontecido em outras partes do mundo.
De marco regulatório a barreiras não tarifárias, entenda os termos que vão povoar os debates sobre o acordo Mercosul-União Europeia
Veja abaixo um pequeno glossário dos termos que vão ser frequentes nas discussões sobre o novo acordo entre Mercosul e União Europeia, assinado nesta sexta-feira (28/6):
Tarifas alfandegárias: As tarifas são taxas pagas por exportadores e importadores. Do ponto de vista dos países que cobram essas taxas, o objetivo pode ser tanto obter receita com o comércio internacional quanto proteger produtos nacionais (impondo, nesse caso, tarifas excessivamente altas).
Barreiras não tarifárias: São as restrições à entrada de produtos estrangeiros em um determinado país ou bloco que não não são baseadas em impostos e taxas (ou tarifas), mas sim de outros modos. Um dos modos mais comuns é o de impor restrições à importação de alimentos por questões sanitárias.
Marco regulatório: é o conjunto de normas e leis que regulam o funcionamento de setores nos quais os agentes privados prestam serviços de utilidade pública.
Quotas: no comércio internacional, são os limites de exportação/importação impostos a determinados produtos (em geral primários, como os agrícolas), de acordo com interesses de países ou determinados setores.
Regras sanitárias: cada vez mais importantes no comércio internacional, essas regras visam garantir padrões de qualidade a produtos de origem animal e vegetal que sejam importados. O objetivo declarado é proteger a saúde pública e o meio ambiente de eventuais produtos contaminados. Mas também são comuns, no comércio internacional, acusações de que países usem barreiras sanitárias de modo protecionista, ou seja, barrando produtos estrangeiros para proteger os nacionais.
Fontes: Ipea e Dicionário de Economia do Século 21, de Paulo Sandroni
Fonte: BBC
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