A Nicarágua terminou a semana mergulhada em uma nova onda de protestos contra o Governo de Daniel Ortega. Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para pedir a destituição do ex-guerrilheiro sandinista, que décadas atrás lutou para acabar com a ditadura da família Somoza, apoiada pelos Estados Unidos, e agora é acusado de querer se perpetuar no poder. O país está mergulhado em sua pior crise política desde o final da guerra civil de 1990. A repressão praticada pelo Governo de esquerda a manifestações contra seu mandato já deixou desde 19 de abril deste ano um saldo de 351 mortos, sendo 306 civis e 22 menores de 17 anos. Os dados da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPHD) também apontam que 261 pessoas estão, neste momento, desaparecidas ou sequestradas. Ortega nega as acusações e afirma que os protestos são uma cortina de fumaça para as intenções da direita, que quer tirá-lo do poder.
A onda de protestos começou no final de abril, quando multidões começaram a tomar as ruas contra as reformas impostas por decreto pelo sandinista para a Previdência Social. Eles se opunham à mudança que reduzia as aposentadorias em 5% e aumentava as contribuições das empresas e dos trabalhadores para resgatar o Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS). Após três dias de dura repressão aos atos, dez pessoas já haviam sido mortas pelas forças militares, policiais e paramilitares, grupos irregulares armados que defendem o Governo.
Ao longo dos dias, os protestos não davam sinais de que iriam recuar. E se juntavam ao descontentamento de nicaraguenses da região do Caribe, onde milhares de camponeses se opõem ao Governo por conta da entrega da concessão ao empresário chinês Wang Jing da construção um Canal Interoceânico, um projeto visto como ameaça a milhares de famílias da região. Igreja e empresários se juntaram aos pedidos da população e exigiam a revogação da reforma.
Em 22 de abril, após cinco dias de intensos atos, Ortega finalmente voltou atrás e cancelou a Reforma da Previdência. Ao menos 41 pessoas haviam morrido, segundo os dados da época do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos. Mas os protestos não recuaram. A forte repressão gerou um imenso mal-estar e desencadeou novas ações, que exigiam a paz no país e o fim do regime sandinista. Em 29 de abril, centenas de milhares de pessoas foram às ruas convocados pela Igreja. Ao lado dos bispos, marcharam feministas, homossexuais, familiares dos assassinados na repressão contra os manifestantes e milhares de camponeses.
Em 13 de maio, confrontos na cidade de Masaya, que começaram no bairro indígena de Monimbó, voltaram a levantar o terror da repressão. Moradores relatavam que os grupos paramilitares estavam armados com fuzis Kalashnikov e disparavam impunemente, apesar da presença da polícia. Em Manágua, capital do país, estudantes se entrincheiravam na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua e na Universidade Politécnica, mesmo depois de terem sido atacados por forças do Governo, num saldo de 2 mortos e pelo menos 16 feridos. A cifra de mortos já passava de 50.
Mais dispersos, os protestos continuaram. Até esta nova onda de protestos mais recente, em 10 de julho, Ortega intensificou a repressão e ao menos 17 pessoas morreram em 24 horas no país. Dois dias depois, o país mergulhou em novos protestos de grande magnitude. E a conta de mortos já atingia 365 pessoas, segundo Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPHD).
Ortega afirma que não deixará o poder e acusa os políticos de direita de orquestrarem os protestos para retirá-lo do poder. Para ele, os protestos contra seu Governo são um reflexo de que “o demônio está mostrando as unhas”. O esquerdista, por sua vez, é acusado pelos seus opositores de querer se perpetuar ao poder a qualquer custo. Ele está há 11 anos à frente do país, ao lado de sua mulher, que é vice-presidente. Sua última vitória, em 2016, foi contestada pela oposição, que a acusou de fraudulenta. Mas Ortega soube se segurar ao poder por meio de alianças pragmáticas. Se aproximou da Igreja ao encampar políticas “pró-família”, como leis rigorosas contra o aborto. E organizou uma agenda pró-mercado, para aproximar o empresariado. “Uma sofisticada estratégia — alimentada até recentemente pela farta ajuda econômica da Venezuela — que deixou a oposição dividida e desorganizada”, analisa Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo.
Com o aumento da repressão, as forças que se aglutinaram a seu favor foram se rompendo ao longo do caminho. Ele recebeu sinais claros da Igreja de que deveria deixar o poder. Mesmo sinal que recebeu do empresariado. A Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiou nesta semana um documento crítico à repressão no país em que se afirma que estão sendo cometidas “práticas de terror, com detenções em massa e assassinatos”, conforme adiantou o jornal Folha de S.Paulo. A ação se soma a um pedido feito no início deste mês pelo alto-comissário das Nações Unidas para os direitos humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, para que o país ponha fim à violência e desmobilize os indivíduos armados pró-Governo. E também à sanções unilaterais já impostas pelos Estados Unidos. Novas sanções poderiam ser um peso muito grande para o país, de economia frágil e altamente dependente de uma Venezuela em crise.
Fonte: El Pais
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