Após uma série de reviravoltas nas últimas duas semanas, o novo pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Supremo Tribunal Federal (STF) só deve ser analisado a partir de agosto, após o recesso da Corte em julho.
Com isso, o novo julgamento, que deve afetar o direito do petista de disputar a eleição presidencial, tende a ocorrer próximo ao prazo de inscrição dos candidatos na Justiça Eleitoral, dia 15 de agosto.
A decisão da Segunda Turma do Supremo de soltar José Dirceu nesta terça-feira (26) deixou mais dúvidas no ar sobre as chances do ex-presidente na Corte.
Depois de ter suspendido o julgamento do pedido de Lula, que também ocorreria nesta terça na Segunda Turma do STF, o relator do caso, ministro Edson Fachin, resolveu remeter a questão ao plenário, em resposta a um novo recurso da defesa.
Ficou perdido com tanto vaivém? Entenda abaixo o que aconteceu e o que estará e jogo no novo julgamento.
Por que o julgamento do novo pedido de liberdade foi adiado?
Após Lula ser condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, sua defesa tem o direito de tentar anular essa decisão no STF (recurso extraordinário, que discute possível desrespeito a direitos constitucionais) e no Superior Tribunal de Justiça (recurso especial, que discute outras possíveis ilegalidades).
Esses recursos, antes de chegarem às cortes superiores, passam por um exame preliminar no próprio tribunal cuja decisão está sendo contestada, ou seja, o TRF-4. No entanto, mesmo que o tribunal regional negue o andamento, eles podem ser depois analisados por STF e STJ.
Enquanto o TRF-4 fazia essa primeira análise, os advogados de Lula entraram no início de junho com um pedido no STF para suspender a prisão até que o recurso extraordinário fosse completamente julgado.
O argumento é que há “flagrantes ilegalidades” no processo que condenou o petista, o que torna “altamente provável” que sua condenação seja anulada pelo Supremo mais à frente. Dessa forma, sustentam os advogados, Lula ficará injustamente detido e esses dias na prisão “jamais serão devolvidos”.
Diante disso, Fachin havia enviado para a Segunda Turma – órgão responsável pela maioria dos casos da Operação Lava Jato – a análise do pedido de suspensão da prisão, julgamento que havia sido marcado para hoje. Na última sexta, porém, o TRF-4 rejeitou o andamento do recurso extraordinário ao STF, dando aval apenas para a tramitação do recurso especial no STJ.
A vice-presidente daquele tribunal, Maria de Fátima Freitas Labarrère, entendeu que não havia questões constitucionais a serem discutidas pelo Supremo no processo de Lula. Após essa decisão, Fachin retirou o pedido da pauta da Segunda Turma, sob argumento de que não havia mais recurso extraordinário em tramitação.
Os advogados entraram, então, com dois novos recursos, os chamados agravos, questionando as decisões de Labarrère e Fachin. A defesa argumenta que a condenação de Lula fere direitos constitucionais.
Os recursos questionam, por exemplo, se o juiz de Curitiba Sergio Moro poderia ter julgado um caso relacionado a um apartamento no Estado de São Paulo. Para os advogados, isso fere o o “princípio do juiz natural”, que serve para evitar direcionamento de processos para determinadas varas. A defesa também aponta desrespeito ao amplo direito à defesa, entre outros argumentos.
Diante desse “fato novo”, ou seja, os agravos apresentados pela defesa, Fachin remeteu o caso ao plenário do STF, formado pelos onze ministros, em vez dos cinco da Segunda Turma. No entanto, ele abriu prazo para a Procuradoria Geral da República se manifestar sobre os pedidos de Lula. Por isso, o caso só deve ser liberado para julgamento após o recesso do Supremo, em agosto, quando então caberá a presidente do STF, Cármen Lúcia, pautar a questão. Em geral, quando o réu autor do pedido está preso, há prioridade para seu julgamento frente a outras ações.
Vale lembrar que o petista foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por receber uma apartamento da OAS em troca de favorecimentos à empreiteira em contratos da Petrobras, o que Lula nega.
Quais as chances de Lula?
No início de abril, o plenário do Supremo rejeitou pedido de habeas corpus de Lula por 6 a 5. Por causa disso, ele está há oitenta dias preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O novo pedido de liberdade traz argumentos diferentes do habeas corpus e, por isso, não é possível cravar o resultado do próximo julgamento.
No habeas corpus, o argumento central dos advogados era que a Constituição Federal não permite que uma pessoa seja considerada culpada antes do trânsito em julgado do processo (esgotamento de todos os recursos) – tese que foi recusada pela maioria dos ministros. Agora, os advogados pedem uma análise mais concreta do processo de Lula, para que os ministros avaliem se houve desrespeito a princípios constitucionais durante sua tramitação.
Para o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da Universidade de São Paulo (USP), embora o foco de cada julgamento seja diferente, os argumentos trazidos pelos advogados de Lula agora não são novos e já vêm sendo debatidos ao longo do processo. Na sua avaliação, se os ministros vissem flagrantes ilegalidades, eles já poderiam ter concedido o habeas corpus em abril.
“Tudo isso (acusações de ilegalidade no processo) já era de conhecimento do plenário, por isso acho difícil que a defesa consiga a liberdade em novo julgamento”, afirma.
Plenário dividido?
Um fator que aumenta a imprevisibilidade do resultado é que o plenário do Supremo tem se mostrado bastante dividido quando discute direitos fundamentais dos réus, sendo que a ministra Rosa Weber tem sido, em geral, o pêndulo que determina o placar final.
No habeas corpus negado a Lula, por exemplo, a ministra votou pela autorização da prisão após condenação em segunda instância, embora ela própria entenda que isso fere o princípio da presunção da inocência. Na ocasião, ela entendeu que era preciso respeitar uma decisão anterior da Corte autorizando o cumprimento antecipado da pena, mesmo que esse julgamento ainda não esteja concluído.
Já neste mês, ela votou contra a legalidade da condução coercitiva – o mecanismo que obriga uma pessoa a comparecer a depor acabou proibido por 6 a 5. Um dos argumentos da defesa de Lula nesse novo pedido de liberdade é justamente que a condução coercitiva do ex-presidente em março de 2016 foi ilegal e feriu o princípio da “não culpabilidade”, ou seja, de não tratar o investigado como culpado antes da conclusão do seu processo.
Para Badaró, as chances de Lula seriam maiores no julgamento da Segunda Turma – composta por Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello – do que no plenário. Isso porque, a maioria desses cinco ministros tem viés mais garantista, ou seja, tende a dar mais peso em suas decisões aos direitos do acusado no processo. Deles, apenas Fachin votou contra o habeas corpus de Lula e pela legalidade da condução coercitiva.
Nesta terça, a maioria deles concedeu liberdade ao ex-ministro José Dirceu, condenado em segunda instância por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Toffoli, Gilmar e Lewandowski entenderam que há chances reais de sua pena de prisão vir a ser modificada pelo STJ, o que, se confirmado, significa que sua detenção hoje não seria correta.
De acordo com o professor da USP, haveria argumentos técnicos tanto para Fachin manter o julgamento de Lula na Segunda Turma quanto para remetê-lo ao plenário, o que acaba dando uma alta dose de arbitrariedade a essa decisão.
“É importante que o Supremo delimite melhor o que deve ser julgado pelo plenário e pelas turmas”, defende Badaró.
Qual seria o impacto de uma decisão a favor de Lula?
A intenção do PT, hoje, é registrar Lula como candidato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no dia 15 de agosto, mas a tendência no momento é de que ele seja impedido de concorrer devido à Lei da Ficha Limpa. Uma decisão do STF a favor do petista nesse novo recurso tem potencial de grande impacto pois pode, além de colocá-lo em liberdade, permitir sua candidatura presidencial.
A defesa de Lula não fez, no pedido para suspender a prisão, solicitação expressa para que seja suspensa também a inelegibilidade. No entanto, isso seria uma consequência natural de um eventual entendimento de que houve ilegalidade na sua condenação, observa Roberta Maia Gresta, professora de direito eleitoral da PUC-MG.
Isso ocorre porque a própria Lei da Ficha Limpa prevê, no seu Artigo 26, a possibilidade de um condenado em segunda instância obter liminar suspendendo a inelegibilidade caso haja sinais de irregularidade no processo que o condenou. Fachin, na decisão que remete o novo recurso de Lula ao plenário, inclusive cita essa possibilidade para justificar a necessidade dos onze ministros avaliarem o pedido do petista.
“Os efeitos para a candidatura de Lula vão depender da fundamentação de uma eventual decisão do Supremo. Se houver algum argumento que demonstre a fragilidade da própria condenação, isso tudo pode ser um reforço em favor do deferimento (aprovação) da candidatura (no TSE)”, acredita Gresta.
Fonte: Terra
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