A ideia de organizar o Estado em unidades semi-autônomas menores, mas ter ao mesmo tempo um poder centralizado as unindo é tão antiga quanto a história da civilização. Olhando para a história do mundo, observamos diversas experiências do que entendemos hoje como “Federação”: na Grécia Antiga, com a união das cidades-estado para combater invasores externos; na Bíblia com a passagem sobre as 12 tribos de Israel; no Império Romano, com as províncias. Mais tarde, por volta do século 17, um dos pais do federalismo moderno, Johannes Althusius, criou as bases teóricas e foi a inspiração para a implementação de dois regimes federalistas que são grandes exemplos até hoje: os Estados Unidos e a Alemanha.
Observando a história brasileira, nosso federalismo nasceu de uma clara tentativa de emular o sucesso da federação americana. Esse fato era tão gritante que, com o advento da república, o país foi rebatizado para Estados Unidos do Brasil. Com as constantes idas e vindas políticas, nosso país voltou a discutir a questão na Assembleia Constituinte de 1988. Assim, foram enumeradas na Constituição as competências da União, dos municípios, e do Distrito Federal. Porém, a Constituição Federal não enumerou expressamente as competências dos Estados-membros. Para estes, foram reservadas as competências que não lhes forem vedadas na Constituição, dando-os, portanto, a denominada competência residual.
O Federalismo é a promessa de equilíbrio entre unidade e diversidade através da combinação de governo dividido e compartilhado, com atribuições claras para cada parte, o que não foi feito em nosso pacto federativo. A centralização federal desequilibrou o modelo e feriu gravemente o princípio da subsidiariedade, que prega que a administração precisa ser feita no menor nível possível entre as esferas do poder, e que é essencial para o funcionamento de uma federação.
O cúmulo de nosso federalismo capenga são as assembleias legislativas dos Estados. Como elas têm apenas a competência residual, suas funções são reduzidas e os temas tratados por elas têm pouca importância e impacto. Apesar dessa falta de prestígio, e até de utilidade, elas custam caro: só em 2017 foram gastos 11,24 bilhões de reais para manter as 27 assembleias legislativas existentes no país e seus 1059 deputados estaduais ou distritais.
Um federalismo equilibrado e funcional traz inúmeros benefícios para o país. O poder é diluído, prevenindo a ascensão e o estrago causado por políticos autoritários. A solução dos problemas fica mais próxima do cidadão e de quem realmente sofre com eles, melhorando a alocação de recursos e a eficiência de políticas públicas. Os Estados têm mais liberdade para legislar, podendo adequar leis à sua realidade específica, o que em um país com o tamanho e diversidade do Brasil é de suma importância. Legislações inovadoras podem ser testadas em escalas menores antes de levadas para o país todo.
Para corrigir os defeitos de nosso modelo e aproximá-lo de exemplos que deram certo no mundo, precisamos rever nosso pacto federativo. As competências, assim como o orçamento, precisam ser melhor distribuídas entre os níveis federal, estadual e municipal. A grande dificuldade para que isso aconteça é que o poder para rever essas questões reside justamente em quem mais perderia com as mudanças. A União precisaria estar disposta a ceder poder e dinheiro para os níveis inferiores, perdendo sua influência em prol de uma descentralização benéfica para o país.
O atual governo, principalmente através de seu ministro da Economia, vem dando sinais de que pode propor e avançar com projetos em prol dessa descentralização. A iniciativa em si é muito positiva, mas com certeza contará com uma grande oposição no Congresso Nacional e em outros setores que perderão com a mudança. Contudo, essas dificuldades não podem nos impedir de redistribuir autonomia para avançarmos como país e nos tornarmos também um modelo de federalismo.
Fonte: Estadão
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